domingo, 22 de novembro de 2009

O ELEFANTE ACORRENTADO


Jorge Bucay

— Não consigo — disse-lhe. — Não consigo!

— Tens a certeza? — perguntou-me ele.

— Tenho! O que eu mais gostava era de conseguir sentar-me à frente dela e dizer-lhe o que sinto… Mas sei que não sou capaz.

O gordo sentou-se de pernas cruzadas à Buda, naqueles horríveis cadeirões azuis do seu consultório. Sorriu, fitou-me olhos nos olhos e, baixando a voz como fazia sempre que queria que o escutassem com atenção, disse-me:

— Deixa-me que te conte…

E sem esperar pela minha aprovação, o Jorge começou a contar.

Quando eu era pequeno, adorava o circo e aquilo de que mais gostava eram os animais. Cativava-me especialmente o elefante que, como vim a saber mais tarde, era também o animal preferido dos outros miúdos. Durante o espectáculo, a enorme criatura dava mostras de ter um peso, tamanho e força descomunais… Mas, depois da sua actuação e pouco antes de voltar para os bastidores, o elefante ficava sempre atado a uma pequena estaca cravada no solo, com uma corrente a agrilhoar-lhe uma das suas patas.

No entanto, a estaca não passava de um minúsculo pedaço de madeira enterrado uns centímetros no solo. E, embora a corrente fosse grossa e pesada, parecia-me óbvio que um ani­mal capaz de arrancar uma árvore pela raiz, com toda a sua força, facilmente se conseguiria libertar da estaca e fugir.

O mistério continua a parecer-me evidente.

O que é que o prende, então?

Porque é que não foge?

Quando eu tinha cinco ou seis anos, ainda acreditava na sabedoria dos mais velhos. Um dia, decidi questionar um professor, um padre e um tio sobre o mistério do elefante. Um deles explicou-me que o elefante não fugia porque era amestrado.

Fiz, então, a pergunta óbvia:

— Se é amestrado, porque é que o acorrentam?

Não me lembro de ter recebido uma resposta coerente. Com o passar do tempo, esqueci o mistério do elefante e da estaca e só o recordava quando me cruzava com outras pessoas que também já tinham feito essa pergunta.

Há uns anos, descobri que, felizmente para mim, alguém fora tão inteligente e sábio que encontrara a resposta:

O elefante do circo não foge porque esteve atado a uma estaca desde que era muito, muito pequeno.

Fechei os olhos e imaginei o indefeso elefante recém-nascido preso à estaca. Tenho a certeza de que naquela altura o elefantezinho puxou, esperneou e suou para se tentar libertar. E, apesar dos seus esforços, não conseguiu, porque aquela estaca era demasiado forte para ele.

Imaginei-o a adormecer, cansado, e a tentar novamente no dia seguinte, e no outro, e no outro… Até que, um dia, um dia terrível para a sua história, o animal aceitou a sua impotência e resignou-se com o seu destino.

Esse elefante enorme e poderoso, que vemos no circo, não foge porque, coitado, pensa que não é capaz de o fazer.

Tem gravada na memória a impotência que sentiu pouco depois de nascer.

E o pior é que nunca mais tornou a questionar seriamente essa recordação.

Jamais, jamais tentou pôr novamente à prova a sua força…

— E é assim a vida, Damião. Todos somos um pouco como o elefante do circo: seguimos pela vida fora atados a centenas de estacas que nos coarctam a liberdade.

Vivemos a pensar que «não somos capazes» de fazer montes de coisas, simplesmente porque uma vez, há muito tempo, quando éramos pequenos, tentámos e não conseguimos.

Fizemos, então, o mesmo que o elefante e gravámos na nossa memória esta mensagem: «Não consigo, não consigo e nunca hei-de conseguir.»

Crescemos com esta mensagem que impusemos a nós mesmos e, por isso, nunca mais tentámos libertar-nos da estaca.

Quando, por vezes, sentimos as grilhetas e as abanamos, olhamos de relance para a estaca e pensamos:

Não consigo e nunca hei-de conseguir.

O Jorge fez uma longa pausa. Depois, aproximou-se, sentou-se no chão à minha frente e prosseguiu:

— É isto que se passa contigo, Damião. Vives condicionado pela lembrança de um Damião que já não existe, que não foi capaz.

»A única maneira de saberes se és capaz é tentando novamente, de corpo e alma… e com toda a forca do teu coração!


endereço: http://contadoresdestorias.wordpress.com/2009/11/19/o-elefante-acorrentado-

jorge-bucay/

imagem: blog.fialhoferro.com


9 comentários:

Marcia disse...

Olá Jorge,
Obrigado pela sua visita querida! Maravilha este texto! Um exemplo para nós vermos que nós mesmos as vezes nos aprisionamos em nossos atavismos,(as vezes nos deixamos aprisionar, por falsos valores) e deles nao conseguimos sair.
Um texto válido para uma excelente reflexao!
Tenha uma linda semana,
Márcia

Julimar Murat disse...

OLá meu querido amigo

Olhando através da doutrina espirita procuro observar que muitos desajustes, muitos medos, ansiedades que hoje apresentamos e que são desafios a serem vencidos na nossa vida, são decorrentes de situações vivenciadas lá atrás em outras vidas e que se refletem nos nossos dias.
Ao termos conhecimento disso, porque somos seres racionais, o elefante não, buscamos energias para vencermos estes impecilhos e libertarmos desta estaca que nos prende e impede de caminharmos em busca da nossa evolução.
Mas infelizmente vemos muitos ainda presos a essas estacas impossibilitados de conhecerem a força que trazem dentro de si.

Belo texto, conhecia a estória, mas não contada desta forma.
Obrigada meu amigo por esta oportunidade de repensarmos e acreditatmos que muito podemos.
Um grande beijo

Julimar

© Sara Marques disse...

Excelente mensagem...
Não imaginamos do que somos capazes, jamais
devemos desistir...Temos que tentar,lutar e buscar sempre!
Boa Semana!

Jorge disse...

Márcia, boa noite!!
A questão de não confiar em nós mesmos é coisa muito séria. porque o que nos trava a vida, com frequencia é ess falta de confiança.

Tenha um excelente semana, Márcia!!
Beijo

Jorge disse...

Olá, Juli, anjo lindo!

Trazemos, é certo, nossas tendências do passado e temos plena condições de enfrentar o nosso lado sombra.
O problema é que, frequentemente, não acreditamos que podemos vencer. Nós mesmos nos bloqueamos.

As estacas, qualquer que seja o seu tamanho, nos assusta e preferimos ficar presos em nós mesmos. Acho que assim é mais fácil.

Anjo, tenha uma semana de luz
beijo

Jorge disse...

Sara, olá!!!

Lutar pela nossa liberdade é o caminho que temos a seguir. Acredito que ninguém nasce para ser prisioneiro. Por isso, como vc diz, devemos buscar sempre superar a nós mesmos.

Sara, que a sua semana seja de muito brilho!
Beijo

Anônimo disse...

Querido,Jorge...vim somente lhe deixar um abço carinhoso!!! Com muita Luz e Paz!!! Gosto muito de ler o que escreve!! Qdo. não venho ler seus textos bastante educativos...sinto falta!! Em relação a esse texto não poderia deixar de fazer um pqno comentàrio: Acorrentados sempre estamos. Em PRECONCEITOS e Falso Moralismo!!! Nos Libertar!!! È um caminho a ser percorrido com muita tolerãncia e paciência!!!Com certeza a força esta dentro de nós mesmos!!! Porém precisamos de estímulos e Consciência!!!

Jorge disse...

Bom dia Silvana!!!

Acredito que devemos educar as nossas crianças com cultura e incentivar a seguir o próprio caminho. Mas tenho em mim que o maior valor que podemos dar é o exemplo.
Para mim o professor é, em essência um educador como os pais. Por isso devemos incentivar os professores também a compreenderem o seu papel de suma importância. Se os pais devam ser educadores por excelência, os professores dão a continuidade.
Ao mundo falta educação realmente.
E podemos ser a diferença dando exemplos às crianças que serão o amanhã.

Obrigado pela sua visita. Volte sempre!

Saudações urbanas,
Jorge

Jorge disse...

Anônimo, olá!!!!

Concordo com você. Estamos acorrentados, porém temos a chave.
Libertar, pois é uma questão de visão e vontade.

Fico feliz que gostes deste meu blog.
Um super beijo,
Jorge

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