quarta-feira, 21 de outubro de 2009

ESCUTATÓRIA


Rubem Alves

Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar... Ninguém quer aprender a ouvir.


Pensei em oferecer um curso de escutatória, mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil.

Diz Alberto Caeiro que... Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.

É preciso também não ter filosofia nenhuma.

Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.

Parafraseio o Alberto Caeiro: Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.

É preciso também que haja silêncio dentro da alma.

Daí a dificuldade:

A gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um palpite melhor...

Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.

Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração...

E precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.

Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade.

No fundo, somos os mais bonitos...

Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64.

Contou-me de sua experiência com os índios: Reunidos os participantes, ninguém fala.

Há um longo, longo silêncio.

Vejam a semelhança...

Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio...

Abrindo vazios de silêncio... Expulsando todas as idéias estranhas.

Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala.

Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio.

Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos...

Pensamentos que ele julgava essenciais.

São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou.

Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.

Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza.

Na verdade, não ouvi o que você falou.

Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala.

Falo como se você não tivesse falado.

Segunda: Ouvi o que você falou. Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.

É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.

Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada.

O longo silêncio quer dizer: Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.

E, assim vai a reunião.

Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos.

E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.

Eu comecei a ouvir.

Fernando Pessoa conhecia a experiência...

E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras... No lugar onde não há palavras.

A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa.

No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos.

Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia...

Que de tão linda nos faz chorar.

Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.

Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também.

Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

Esse texto faz parte do livro de crônicas:

Rubem Alves. O amor que acende a lua.


Recebi o texto via e-mail da Eliana

imagem: pensamentobr.blogspot.com


16 comentários:

© Sara Marques disse...

Sabe Jorge, eu acredito que haja várias maneiras do egoísmo se manifestar, e uma delas com certeza é o de "não saber ou não querer ouvir." Infelizmente conheço várias pessoas assim, muitas até já admitiram ter "ouvidos seletivos" mas para mim isso tem outro nome, Descaso.

Unknown disse...

Genial este texto, Jorge, vou enviar para os amigos com os créditos para o teu blog.
Beijos

Jorge disse...

Oi, Sara!!!
Saber ouvir é uma arte. E rara hoje em dia.


Um beijo,

Jorge

Jorge disse...

Oi, Jeanne!!!
Rubem Alves é maravilhoso!!!
Não só sabe escrever, mas como escrever. Um artista da letra.
Espero que seus amigos gostem como nós gostamos!

Um beijo, Anjo,

Jorge

Principe Encantado disse...

Amigo Jorge, sensacional o texto, com sua permissão estarei distribuindo ele via email para os meus amigos, parabéns pelo post.
Abraços forte

Gianete Pereira disse...

Oi, Jorge, como vai? Seu texto foi escrito para mim. Tem algum tempo que percebi em mim este grave erro, e passei a pensar que deveria ouvir e não falar tanto quando alguém se dirigir a mim.A partir daí venho trabalhando para que isso melhore. Preciso me desvencilhar deste hábito terrível e aprender a escutar, por isso me matriculo na seu curso de Escutatória. Muito bom! Abraços!

© Sara Marques disse...

Oi Jorge!
Tem um selo te esperando lá no Saracotear...
Bjs.

Teresa Cristina disse...

Saber falar é importante, mas saber ouvir é uma dádiva!
bjss

Kelly Kobor Dias disse...

Que ótima esclha fizeste ao escolher postar este texto e dividir conosco!! Tenho sentido o quanto é difícil ser ouvida sem repreensãoes, as pessoas logo querem dar sua opinião sobre o que sentimos...
Criei um blog também para conseguir desabafar um pouco do que sinto, por enquanto está com um ar ainda muito triste, mas creio que coma força que estou recebendo dos amigos blogueiros logo logo ele deixará de ser triste para ser um blog de doces lembranças, e claro de vitórias pois meu objetivo é progredir, melhorar enquanto pessoa.
Se puder gostaria muito de receber sua vistia: http://simplesmentevivendoavida.blogspot.com
abraços

Jorge disse...

Amigo Príncipe, quanto mais divulgarmos belas e profundas mensagens, melhor. Fique à vontade!!!
Agradeço pela tua visita, meu amigo

Abraços,
Jorge

Jorge disse...

Oi, Gianete!!!
Que bom que gostou. Eu postei também por causa de servir muito para mim.
Acho que um das coisas mais difíceis em nós e falarmos menos e ouvir mais. Como dizem, temos dois ouvidos para mais ouvir e uma lingua só para pouco falar.

Um beijo, em teu coração,
Jorge

Jorge disse...

Oi, Sara!!!

Estarei em teu blog prá pegar o selo. Obrigado pela sua lembrança.

Outro beijo, sempre com carinho,
Jorge

Jorge disse...

Teresa!!
Falou pouco e disse tudo.
Isso que é sintetizar uma idéia.

Beijão,
Jorge

Jorge disse...

Oi, Kelly,
Sempre gratificante a troca de vibrações. Oferecer e receber é sempre gratificante ao coração.
Vais perceber com o tempo o quanto se sentirás fortalecida com amizades mesmo que virtuais pois aqui trocamos mensagens que falam ao coração. E você, minha amiga, está colocando teu coração. O retorno, creia, será cada vez mais luminoso.
Permita-me uma sugestão: não vise a vitória em especial, e sim vivencie o caminho para ela. O aprendizado maior está na experiência vivida.

Kelly, um doce beijo

Jorge

Obs:- Estarei te visitando, sim!!!

Julimar Murat disse...

Oi amigo Jorge

O silêncio é da mesma natureza do sonho.
E, se Victor Hugo disse que se deverá julgar um homem por aquilo que ele sonha mais do que por aquilo que ele pensa, mais valerá considerá-lo por aquilo que cala do que por aquilo que diz.

Vale refletir.

Beijos
Julimar

Jorge disse...

Oi, Juli!!!
Gostei do teu comentário. É mesmo para refletir.

Tenha, Juli, um ótimo dia de muita luz!!!
Beijo,

Jorge

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