Na terra onde viviam havia uma ladeira íngreme, inclinada, cheia de pedras e calhaus. Uma ladeira daquelas que a gente só sobe ou desce quando não pode deixar de ser.
Um dia, um dos homens ia a subir a ladeira quando o outro vinha a descê-la. Como é natural, encontraram-se a meio. Bem… A meio, a meio, exactamente a meio, não tenho a certeza se foi. Talvez tenha sido um bocadinho mais para cima ou um bocadinho mais para baixo. Para a nossa história esse pormenor não tem grande importância e, por isso, vamos fazer de conta que foi a meio.
Mais ou menos a meio da ladeira, os dois homens encontraram-se, pararam à frente um do outro e desataram a discutir. Um ia a subir e, por isso, achava que a ladeira era uma subida. O outro vinha a descer e, pelo contrário, garantia que se tratava de uma descida.
Sem chegar a acordo, sentaram-se ali mesmo no chão para tirar a questão a limpo. Quem os conhecesse, sabendo que eram homens de palavra fácil, capazes de inventar sólidas razões e grandes argumentos, logo via que aquela discussão ia demorar. E demorou.
Passaram-se sete dias e sete noites e a discussão não parava. Veio a Lua e foi-se o Sol, veio o Sol e foi-se a Lua e os dois homens a discutir. Nem o frio, nem o calor, nem a chuva, os distraíram. Continuavam na mesma. Para um, aquela ladeira era uma subida porque subia de baixo para cima. Para o outro, era uma descida porque descia de cima para baixo.
A discussão continuou e continuou. À sétima noite começou a soprar um vento muito forte. Um vento tão forte e violento que arrancava terras, árvores e pedras e as atirava de um sítio para outro. Um vento daqueles capazes de trabalhar lentamente, séculos e séculos a fio, para mudar a face da Terra e transformar montes em covas fundas e buracos de meter medo nas mais altas montanhas.
O tempo passou. O vento mexeu com tudo. Mudou a paisagem. Transformou o mundo. Só os dois homens continuavam sentados no meio da ladeira sem darem por nada do que acontecia à sua volta. Estavam tão preocupados, cada um, em ganhar a discussão, que não sentiram nem a chuva na pele, nem o frio nos ossos, nem o sol na moleirinha.
Passaram-se sete mil noites e sete mil dias, os homens a discutir e o vento a trabalhar.
A ladeira, a pouco e pouco, ia ficando diferente. A parte mais alta cada vez menos alta, e a parte mais baixa a crescer sem parar à custa de entulho, areia, calhaus e pedrinhas que a tornavam cada vez menos baixa.
Um belo dia, a parte de baixo e a parte de cima da ladeira ficaram iguais, da mesma altura e, portanto, a ladeira desapareceu. A terra ficou direitinha, lisa, uma planície que se estendia até perder de vista.
O vento, sem mais nada que fazer ali, foi trabalhar para outro lado. Os dois homens que, como eu já disse, eram muito teimosos, continuavam a discutir se a ladeira era uma subida que se descia ou uma descida que se subia.
A certa altura, olharam em volta, para um lado e para outro, até onde a vista podia alcançar. Aperceberam-se então que a ladeira tinha desaparecido. Olharam um para o outro, levantaram-se, cumprimentaram-se e, cheios de orgulho, afastaram-se cada um em sua direcção, ambos seguros de que tinham ganho a discussão.
José Fanha
A noite em que a noite não chegou
Porto, Campo das Letras, 2001
adaptado
endereço: http://contadoresdestorias.wordpress.com/2007/07/03/a-ladeira-jose-fanha/
imagem: centrodeaventuras.com.br
21 comentários:
Oi Jorge,
Vim desejar-lhe um final de semana cheinho de paz e alegria.
Abraço.
Amigas da Vila,
Obrigado!!!
E eu desejo-lhes uma excelente semana!!!
Beijo!
Seu blog é muito bonito e inspirado. Traz palavras de sabedoria. Já estou te seguindo. Meu nome é Elisa e moro no Japão.
Jorge. Não conhecia esse texto de tanta teimosia. No final, ambos sairam convictos de que tinham razão e que valeu a pena todo o tempo gasto em ratificar suas opiniões. A teimosia é irmã do orgulho e cega a pessoa, coloca-lhe antolhos, a ponto de não enxergar mais nada.
Beijos, amigo e tenha uma semana de muita paz.
Elisa,
prazer em conhecê-la.
Obrigado pela sua visita. E que tenha gostado.
Volte sempre!!!
Mais uma vez, obrigado!!!
Um beijo, de coração,
Jorge
Maria José,
Realmente é muita teimosia. O pior que existe pessoas assim, que não cedem um palmo da sua opinião já que não tem visão de si mesmo e se tem, é deturpada. Percebe-se quanta perda de tempo para manter a opinião. Poderiam ter aproveitado todo o tempo que estavam sentados para viverem, n~e é mesmo?
Minha amiga, beijo de luz!
Jorge
Jorge que bela estória...retrata uma situação que muito se repete na vida. Sempre temos pessoas dispostas a serem "vencedoras" de suas idéias e se agarram de tal forma ao que acreditam, que nem percebem que o tempo passa, a vida muda, dá voltas.
O importante é sempre haver respeito entre todos, ninguém tem uma verdade absoluta... somos detentores de "verdades parciais", quando muito.
Jorge já escrevi no meu blog e faço aqui outra vez. Fiz alguma confusão ao publicar seu comentário e ele sumiu.Fiquei arrasada por ter me enganado. Mas eu o li e te agradeço imensamente. Por favor, aceite minhas desculpas por este meu erro. Fiquei tão contente de ver seu comentário que me atrapalhei, sou uma blogueira novata, eu aprendo.
Beijos...feliz demais por você estar seguindo meu blog também...
Jorge, seu comentário apareceu no blog agora... imagina o tamanho do meu sorriso e da minha alegria por não ter apagado por engano...
Beijos...
Oi Jorge!
Confesso que sou teimosa mas não à esse ponto...Entre ter Razão ou ser Feliz...prefiro SER FELIZ!
Uma Excelente semana à vc Querido Amigo.
Bjs.
Oi Jorge vim lhe fazer uma visita,belo texto levo comigo uma bela mensagem boa semana de muita luz,obrigado Re.
Jorge,
Obrigada pela visita no meu blog Pink Bom.
Na verdade meu blog principal é o http://elisafuji.blogspot.com/
Se chama Elisa no Blog.
Espero sua visita.
Jorge
Adorei o texto.
A briga dos egos foi devastadora.
Quando puder passe no bloguinho, tem um selinho pra sua coleção
abraço
alzira
Boa tarde, meu amigo Jorge.
Eu já conhecia este texto. Interessantíssimo.
Eu sou uma mula empacada, mas não chego a esse ponto.
Passando para dar uma espiada nas novidades e dar os parabéns pelo dia de ontem.
Desculpe a minha ausência esta semana, mas estou sem internet, tendo que recorrer a uma lanhouse, coisa não gosto muito de recorrer a estes lugares, mas... fazer o quê. Para quem mora dentro do mato como eu, é a única opção no momento, assim mesmo muito lenta.
Não sei por quanto tempo vou ficar sem conexão, o 3G apresentou um problema e estou aguardando uma solução (sentada porque em pé vai cansar ), mas espero que não me abandone.
Quando eu não contar para vocês uma história todos os dias é porque estou com problemas . Adoro essa relação, pode crer.
FOI DESSE JEITO QUE EU OUVI DIZER... aproveita para desejar um bom final de semana.
Saudações Florestais !
em http://www.silnunesprof.blogspot.com
Valéria, minha amiga
Fico muito feliz com suas palavras. Tenho encontrado pessoas grandes na minha vida e aqui, mesmo que virtual, estou conhecendo grandes pessoas. E você, apesar de primeira vez te "lendo", percebo a sua sensibilidade e delicadeza.
Obrigado, de coração, pela sua grata visita.
Um beijo!!!
Sara,amiga do coração,
também prefiro ser feliz a ter razão.
A teimosia só leva ao tombo que o teimoso, só ele, não vê.
Anjo, um beijo!!!
Olá, Renata!!
Sempre grato por você vir aqui.
Minha amiga, um forte abraço, com carinho!
Beijo!
Elisa,
Vou te visitar sim...e agradeço pela sua visita!!!
Um beijo, de coração,
Jorge
Zizi,
Obrigado pela lembrança. Passarei para te visitar e trazer o selinho.
Um super beijo!!!
Silvana,
mula empacada...essa foi boa..rs
Aonde você está deve ser um pouco complicado, pelo que tenho percebido. Mas o importante é vc estar sempre presente conosco.
Minha amiga, saudações urbanas!!!
Beijo!!!
Amigo,
excelente exemplo de como "turrice" nao leva a nada! Só perda de tempo. Eu não conhecia este texto, de tanta teimosia. No final, ambos sairam convictos de que tinham razão e que foi válido todo o tempo gasto em provar suas opiniões. Guerra de egos.
Um grande beijo.
Marcia,
Guerra de egos...gostei!!
Anjo, beijo, de coração,
Jorge
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