Hoje que queria abrir um
álbum de fotografias, onde
não houvesse gente de olhos duros e mãos aduncas. Onde umas boas senhoras
pousassem no papel com delicadeza, não para sobreviverem eternamente, mas para
mandarem seu retrato às amigas com
finas letras de “sincera afeição”. Um álbum onde aparecessem uns bons velhotes
que não faziam negociatas, que não sabiam multiplicar dinheiro, que usavam
roupas desajeitadas, sofriam de reumatismo, liam Virgílio e Horácio, e não
tinham medo de fantasmas do porão. De lá de dentro de seus retratos essas
senhoras estariam dizendo: “Meus filhos, nada disso vale a pena...” (E
saberíamos que falavam de parentes sôfregos, ávidos de partilhas, uns querendo
herdar as terras do morro – outros, a mata; outros, a várzea – todos vivendo já
do testamento, antes mesmo da extrema-unção...) Hoje eu queria ficar folheando
este álbum, onde não desejaria encontrar aqueles herdeiros.
Hoje eu queria ler uns livros
que não falam de gente, mas só de bichos, de plantas, de pedras: um livro que
me levasse por essas solidões da Natureza, sem vozes humanas, sem discursos,
boatos, mentiras, calúnias, falsidades, elogios, celebrações... hoje eu queria
apenas ver uma flor abrir-se, desmanchar-se, viver sua existência autêntica,
integral, do nascimento à morte, muito breve, sem borboleta nem abelha de
permeio. Uma existência total, no seu mistério. (E antes
da flor? – Não sei.).
Esta ignorância humana.
Este silêncio do universo. A sabedoria. Hoje eu queria estar entre as nuvens,
na velocidade das nuvens, na sua fragilidade, na sua docilidade de ser e deixar
de ser. Livremente. Sem interesse próprio. Confiante. À mercê da vida. Sem
nenhum sonho de durarem um pouco mais, de ficarem no céu até o ano 2000, de
terem emprego público, férias, abono de
Natal, montepio, prêmio de loteria, discurso à beira do túmulo, nome em placa
de rua, busto no jardim... (Ó nuvens prodigiosas, criaturas efêmeras que estais
tão alto e não pretendeis nada, e sois capazes de obscurecer o sol e de fazer
frutificar a terra, e não tendes vaidade nenhuma nem apego a esses ocasos!)
Hoje eu quereria andar lá em cima nas nuvens, com as nuvens, pelas nuvens, para
as nuvens...
Hoje eu quereria estar no
deserto amarelo, sem beduíno, camelo ou rebanho de cabras: no puro deserto
amarelo onde só reina o vento grandioso que leva tudo, que não precisa nem de
água, nem de areia, nem de flor, nem de pedra, nem de gente. O vento solitário
que vai para longe de mãos vazias.
Hoje eu queria ser esse vento.
Cecília
Meirelles
texto - internet
imagem - mais.uol.com.br
9 comentários:
Hoje... ficou completo! Li Cecília Meireles em seu blog! Obrigada!
Abraço, Célia.
Um hino às belezas da natureza. Lindíssimo. Muita paz!
Que postagem maravilhosa, amiga. Amo CVecília Meireles. Beijos
Amigo!
Amigo que bom encontrar Cecília Meireles aqui!!
bjs Sandra
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Esse texto é muito lindo, sempre achei. E sempre li embevecida. Mas agora, não quero mais essas ilusões cecilianas para mim. Não mais. Eu agora quero coisas possíveis: compreensão entre as pessoas; harmonia, leveza. Uma vida sem afetações. Isso a gente pode conseguir, com trabalho e perseverança. Sem utopias. Bjs amigo.
Olá amigo Jorge. Gostei disso! Bjs.
Um beijo a todos vocês!!!!!!!!
Oi Jorge, rever a vida através de álbuns de fotografia... fortes emoções!
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